segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Desalento
Às vezes ouço o rir, é uma agonia
Queima-me a alma como estranha brasa
Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia
Que me põe n’alma o fogo que me abrasa!
Tenho sede de amar a humanidade…
Eu ando embriagada… entontecida…
O roxo de maus lábios é saudade
Duns beijos que me deram em outra vida!
Ei, não gosto do Sol, eu tenho medo
Que me vejam nos olhos o segredo
Que só saber chorar, de ser assim…
Gosto da noite, imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!
Florbela Espanca
sábado, 15 de janeiro de 2011
O Nosso Amor Morreu
O nosso amor morreu... Quem o diria?
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!
Bem estava a sentir que ele morri
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos pra partir.
E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De que outro amor impossível que há-de vir!
Florbela Espanca
domingo, 2 de janeiro de 2011
Lágrimas Ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Tomo a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
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